Eu já...

Já tive muitos e muitos amigos imaginários.

Quando andava de bicicleta adorava pedalar para trás só para ouvir um som diferente; sentava no colo do meu pai e me sentia cavalgando pelos mais diversos lugares; sentava no colo do meu pai e me sentia dirigindo um carro de fórmula 1.

Quando minha mãe fazia bolos, eu adorava ajudar na limpeza lambendo o que sobrava da mistura na tigela e nas pás da batedeira; comia muito miojo cru com queijo ralado.

Já fingi estar doente e faltei à aula só para ficar em casa dormindo mais um pouco; já fugi de casa, mas resolvi voltar quando cheguei à esquina; junto a uma amiga, invadia todas as casas abandonadas ou em construção do condomínio e, quando o segurança nos pegava, dizíamos que nossa bola havia caído lá dentro (que bola?); junto a essa mesma amiga, sujei a churrasqueira do condomínio e, na hora de limpar, ela me deixou na mão.

Já briguei, já apanhei e já perdi a razão muitas vezes; já quase perdi minha melhor amiga, mas perdoei. Fiz amigos, dei risadas, dei mais risadas, escrevi cartas, recebi cartas; promovi a paz entre pequenos grupos de amigos que disputavam por coisas inúteis, mostrando que o importante mesmo é tudo o que já haviam construído.

Menti para minha mãe. Comecei a escrever um livro, mas não passei do segundo parágrafo. Já quis aprender violão, mas tive aulas de piano e parei depois de seis meses. Já masquei um chiclete de determinado sabor e lembrei-me de alguém; já ouvi uma música e lembrei-me de alguém. Já assisti a um filme e lembrei-me de alguém.

Já solucei em sala de aula quando estava o maior silêncio e logo em seguida meus ouvidos se encheram de risadas e as bochechas, de um vermelho quente.

Resolvi arrumar meu quarto, mas me encantei com os sonhos e reflexões escritos nos meus incontáveis diários. Me arrependi de muitas coisas que fiz.

Hoje falo sozinha, ainda como miojo cru, mas não assisto mais à tevê.